Hoje se cumpriu a Escritura
Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
Junto com a clausura da JMJ
Panamá estamos celebrando o III Domingo do Tempo Comum. Nós, católicos,
somos convidados a fazer esta caminhada de fé e compromisso com a Palavra de
Deus em todos os dias deste tempo ordinário, também conhecido como tempo comum.
A
liturgia de hoje tem como reflexão central a Palavra de Deus, sim, porque a
Palavra de Deus é verdadeiramente o centro, e o fundamento principal do qual se
constrói a experiência da Fé Cristã. Ela é luz e vida para a Igreja Peregrina
na história. Essa Palavra não é qualquer Palavra, Ela é a Palavra de Deus
revelada, feito carne e que veio abitar para sempre entre nós.
Caros
irmãos, a liturgia de hoje nos convida e ao mesmo tempo nos introduz na graça
da escuta simples e verdadeira da Palavra, Palavra Proclamada como um anúncio e
libertação de Deus para a humanidade. A liturgia como sempre é criativa, rica
de beleza e significados, é inteligente. No relato do discurso de Jesus ao povo
de Nazaré, ele precede o prólogo do Evangelho.
O
Evangelho deste Domingo (cf. Lc 1,1-4,14-21), apresenta Cristo como a Palavra
Libertadora. Palavra feito carne para a salvação da humanidade, isto é, pessoa
encarnada presente no meio dos homens, para libertar e conduzir na esperança às
vítimas da opressão, do sofrimento e da miséria humana. Os seguidores de
Jesus devem ser ouvintes fiéis de sua Palavra, cultivar o espírito comunitário
da escuta e pratica libertadora em adesão ao projeto de Deus.
Neste
domingo nossa reflexão partirá da primeira leitura (cf. Ne 8,2-4a.5-6.8-10),
porque ela é muito atual e comovente. A primeira Leitura do livro de
Neemias, vem nos lembrar que a Palavra deve estar no centro da vida comunitária
do Povo de Deus, segundo Neemias Ela é uma Palavra proclamada, e por isso é
geradora de alegria e de festa na vida da comunidade. O livro de Neemias, assim
como Esdras, que antes formava uma mesma unidade, descreve o período do
regresso dos exilados judeus da Babilônia.
Neemias
vai iniciar sua missão com a reconstrução da muralha que outro a foi destruída,
em seguida, Neemias vai combater as injustiças cometidas pelos ricos, impostas
aos pobres da comunidade. É missão do Profeta anunciar denunciar, e
consequentemente anunciando a Palavra o Profeta denuncia as Injustiças.
Os
setenta anos passados no exílio provocaram, se não uma integração, certamente
uma adaptação às instituições sociais da Babilônia, até mesmo o mal-entendido
da língua nativa, o hebraico. Por outro lado, aqueles que voltaram para casa
após o edito de Ciro foram os filhos dos deportados, nascidos no exílio. Muitos
nem sequer queriam voltar para a Palestina.
Depois
dos anos passados com tantos sacrifícios e penúrias, das dificuldades na
reconstrução do templo de Jerusalém, uma pequena comunidade celebra a dedicação
do novo templo, é ocasião alegre e feliz para o Povo da pequena comunidade, é
com uma cerimônia solene. É assim então que Esdras lê o livro da Lei do
Senhor.
Na
segunda Leitura(cf. 1Cor 12,12-14.27) nos confrontamos com o
exemplo belíssimo da comunidade primitiva, esta comunidade unida e fundamentada
na escuta atenta da Palavra, era uma família de irmãos e irmãs, um povo ouvinte
assíduo da Palavra de Deus, capaz de viver partilhar os dons de
Deus repartindo os bens e colocando a serviço de todos,
criando assim um oásis de comunhão e solidariedade fraterna entre
eles.
É
claro a preocupação de São Paulo quanto aos dons e carismas, porque, na Igreja
de Corinto, os “carismas” utilizados em benefício próprio, geravam
individualismo, divisão, luta pelo poder, e desprezo por aqueles que não
possuíam dons especiais. Segundo Paulo, isso não pode acontecer, é intolerável:
os carismas são dons gratuitos e deve beneficiar todos, quando isso não
acontece gera prepotência, individualismo e poder autoritário, e pode pôr em
causa a unidade e a comunhão desta Igreja.
Assim
Paulo alerta todos nós, a fim de que possamos acolher e viver a graça do
carisma recebido como uma ação em favor de toda comunidade, com humildade e
disponibilidade para servir.
No
Evangelho, o evangelista Lucas quer que os cristãos percebam “a solidez dos
ensinamentos” recebidos e se convencem da importância decisiva para a história
de todos os homens, a respeito da vida de Jesus. A preocupação de Lucas é
recordar aos fiéis da comunidade de língua grega quanto às suas raízes e
cultura, quanto à referência principal a Jesus Cristo.
A
narração do ministério público de Jesus é um discurso profético e libertador
que imediatamente esclarece o propósito que Jesus estabelece para si mesmo. É o
manifesto de Jesus, e aqui está como aquele que age com o poder de Deus, de
fato é o Espírito do Pai que está Nele dando autoridade para a sua manifestação
libertadora.
Em
essência, o Evangelho diz que não são as leis e nem os ensinamentos humanos que
salvam a humanidade, e sim o Espírito do Senhor. Nesta declaração há, muita
esperança, porque nos assegura que o mesmo Espírito que está em Jesus, está em
todos os que estão em comunhão com Ele.
“Hoje
é cumprida esta Escritura que acabais de ouvir”. O hoje histórico de Jesus
torna-se, pelo poder do Espírito Santo, o hoje litúrgico da Igreja. E neste
Domingo dia do Senhor a pregação de Nazaré se torna uma realidade atual. Se nós
escutarmos de fato com o coração e praticar em verdade sua Palavra.
A
leitura cristã das escrituras foi feita primeiro por Cristo. Basta fazer o que
Cristo fez na sinagoga de Nazaré. A Igreja pode confessar, (como o fez no
Concílio Ecumênico Vaticano II) que “é Ele, (Cristo) é quem fala quando
na Igreja se lê a Sagrada Escritura”, (cf.Sacrosantum Concílio – 7), e na
liturgia da Igreja, Deus fala ao seu povo, Cristo anuncia o Evangelho
novamente por meio de sua Pregação.
O Evangelho é Jesus Cristo,
Ele é a forma de vida de todo cristão comprometido com sua Palavra. Viver a fé
cristã e eclesial é seguir os passos de Jesus, fazer a experiencia do encontro
pessoal com Ele e sentir-se atraído por sua voz, buscar o Senhor, reconhecer
sua presença e sentir-se amado por Ele.
A
escuta humilde, paciente e cotidiana da Palavra é o “lugar” no qual podemos ser
chamados e alcançados pelo Senhor, vivendo sempre em seu em amor. O que o texto
descreve é uma verdadeira Liturgia da Palavra. A abertura do livro, a bênção
e a resposta do povo com um Amém e a explicação do significado que os levitas
fizeram dele depois de ler cada passagem.
O
que é enfatizado é a eficácia dessa Palavra, que se aprofunda no fundo, o que
perturba a mente, o que faz com que uma voz que ressoe por muito tempo seja
esquecida.
Quanta
realidade está presente neste texto! O resultado desta leitura e meditação é
uma espécie de coletivo e comunitário exame de consciência. Ouvir toca as
profundezas do coração dos presentes ao ponto de rasgar em lágrimas.
O
povo percebe o abismo em que caiu pelas infidelidades acumuladas ao longo de
vários anos. Como qualquer indivíduo, até um povo pode se perder, cego por
falsos ideais e várias idolatrias da cultura e do tempo. A Palavra de Deus
destaca essas ambiguidades históricas e culturas, e não é tão distante da nossa
realidade.
É o
começo de uma restauração que correrá o risco de se tornar um radicalismo quase
que ideológico, como se verá nas guerras dos Macabeus e no formalismo hipócrita
puro, denunciado no final por Jesus Cristo.
Mas
os começos são, como sempre, promissores e entusiasmados. Estamos acostumados a
ouvir essa Palavra. É o que fazemos todos os domingos, muitas vezes a
Escuta desta Palavra já não é mais novidade, porém, caros irmãos e irmãs
precisamos renovar nossa sensibilidade pela Palavra de Deus, nosso jeito de
ouvir e traduzir na vida nunca deve ser o mesmo.
A
Palavra do Senhor deverá ser sempre uma boa notícia, uma novidade que
transforma e conduz a vida do Cristão, nós não inventamos nada. Continuamos a
celebrá-lo como nos dias de Esdras e Neemias, muito antes de Cristo.
Existe
um lugar privilegiado para proclamá-lo. Nós dizemos proclamação, porque esta é
uma Palavra viva, ela deverá ser sempre proclamada e não lida. Aqueles que
ouvem deve colocar em prática, e escutar pressupõe uma resposta acolhedora e
obediente.
O
início do texto de hoje, sendo o ano dedicado à leitura contínua do Evangelho
de Lucas, é apenas a dedicação que o evangelista faz para o amigo Teófilo,
assegurando a precisão, apoiada por uma leitura aprofundada, do que escreve.
Podemos dizer que é uma espécie de Lecio
Divinae.
Nós, também, precisamos
aprofundar por uma leitura orante da Palavra de Deus no cotidiano da vida
comunitária, esta experiência da intimidade com a Palavra pela escuta e meditação
nos faz viver com maior dinamismo de fé o compromisso evangélico que assumimos
no dia de nossa batismo e confirmação.
Então
lemos o famoso discurso pronunciado por Jesus na sinagoga de Nazaré. Ele
também, com grande solenidade sobe ao pódio, recebe o rolo do profeta Isaías;
todo mundo está esperando por seu comentário. Suas primeiras Palavras deixam
todos surpresos e incrédulos: “Hoje se cumpriu esta Escritura que acabais de
ouvir.”
O
texto é o anúncio de um ano de graça, um jubileu, uma libertação através da
obra do Espírito do Senhor. Quem sabe quantas vezes ouviram as mesmas palavras!
E talvez os mesmos comentários. Mas desta vez aquele em que repousa o Espírito
do Senhor está lá, na presença de todos: “Hoje se cumpriu esta Escritura que
você ouviu.”
Uma
novidade que ninguém esperava, e que desconcerta a todos os presentes. Ele diz
que essa escrita está completa, não que será realizada. Isso significa que
ainda “hoje”, somos chamados e desafiados a proclamar este tempo da graça do
Senhor através do nosso SIM ao seu chamamento.
O
primeiro protagonista da Missão é o Espírito Santo. Depois das tentações, Jesus
começa seu trabalho com o poder do Espírito Santo. O seu discurso é
libertador e ao mesmo tempo profético transformador. E a sua missão é a libertação
dos pobres, e o anúncio de um ano jubilar de alegria para todos.
Não
podemos embarcar nesta empreitada sozinhos, precisamos sempre e antes de tudo
da força do Espírito que é luz e vida, depois é preciso abraçar o compromisso
comunitário, pois, sozinhos e isolados não poderemos ir longe, muitas vezes nem
conseguimos sair do lugar, da nossa zona de conforto.
A Pregação de Jesus nos convida a fazer algumas reflexões muito sérias.
Se é verdade que essas Palavras já foram cumpridas, precisamos mudar muitas
perspectivas e reavaliar o significado de nossas intervenções na história,
enraizando nossos compromissos e nossos esforços em uma realidade que vai além
de nossos sonhos imediatos, de confiança colocada apenas em ideologias.
O
Cristianismo é revelação: Deus se revela e se comunica com o homem histórico.
Esta comunhão-revelação é feita na história através da Palavra encarnada. Não é
tanto do esforço que o homem faz para alcançar e conhecer a Deus, mas, quanto
do ato de Deus que se doa e se une ao homem.
Deus
se revela e se comunica com o homem, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jesus
Cristo não é um Deus que se impõe, é um Deus que se revela não em
fenômenos naturais, mas na história e na vida dos homens, revela e se comunica
tão perfeita e definitiva no homem Jesus Cristo.
O
Cristianismo deve ser anunciado, refletido, compreendido e testemunhado com
base na Palavra de Deus porque, à sua luz, podemos ler nossa história, nossa
vida descobrir e encontrar Deus nos acontecimentos de nossa vida cotidiana,
assim foi também com a vida das comunidades primitivas.
A
Palavra de Deus, no entanto, longe de alienar o homem, pretende promover uma
fidelidade radical à condição humana como resposta generosa e alegre ao sonho
de Deus.
A
graça da sagrada liturgia deste domingo nos ilumina em nossa caminhada. Desde a
primeira leitura que nos mostrou a relação entre a palavra de Deus contida na
Bíblia e a comunidade. O gesto de Neemias nos diz que o povo de Deus para se
reconstruir após o desastre do exílio procura a sua identidade e unidade mais
profunda na palavra de Deus.
Ainda
hoje (e sempre), a Igreja encontra a sua identidade na Palavra de Deus. Sem a
Palavra, o verbo que se fez homem a Igreja não existiria. A Igreja está sempre
em escuta atenta da Palavra de Deus.
Por
outro lado, a Palavra de Deus ressoa em toda a sua verdade somente nela; e sua
razão de ser e existir é anunciar esta Palavra e testemunhá-la como discípula
fiel de Cristo, plenitude de toda revelação.
A
Igreja, portanto, não proclama uma ideologia humana abstrata, mas o Verbo feito
carne em Cristo, Filho de Deus, mestre e redentor de todos os homens. Cada
página do Evangelho é Palavra viva, é Deus que fala, por isso deve ser cumprida
no hoje de nossa vida, nos acontecimentos do cotidiano, aqui Deus se revela e
se se manifesta para libertar o seu Povo oprimido pelas misérias, fruto das
contingências humanas.
O
Evangelho não diz apenas da vida de Jesus, mas fala de nossa vida, somos todos
configurados à luz da Palavra de Deus em Jesus Cristo. O Evangelho nos contém,
e nos envolve.
Por
esta razão, a liturgia da Palavra não é apenas uma lição moral, nem apenas a
afirmação da esperança escatológica sustentada pelos profetas; ela proclama o
cumprimento do plano do Pai na vida de hoje e de sempre, pois ela Transcende a
História. Aqui nós não contemplamos um passado estabelecido, nem sonhamos com
um futuro extraordinário, mas vivemos o tempo presente como um lugar
privilegiado para a vinda de Nosso Senhor.
O
Antigo e o Novo Testamento são atualizados, eles são próximos, se completam e
iluminam a caminhada da Igreja, do povo de Deus, caso contrário permanecem
presos à letra, se fundamentando a penas na lei e não na vida.
Em
cada página, descobriremos mais cedo ou mais tarde que podemos dizer: Aqui
falamos de nós mesmos. Nós nos encontramos precisamente como Jesus a caminho do
Calvário e da ressurreição. Deste modo, através da Palavra de Deus, lentamente,
descobrimos o que é a nossa vida aos seus olhos, isto é, na sua dimensão
profunda.
A
Palavra que vem de Deus, possui poder e eficácia. Questiona, provoca, consola,
Ela é capaz de criar comunhão e salvação, ainda que de maneira diferente
contemplando a variedade de dons e carismas como nos lembrou tão bem, hoje,
na segunda leitura o Apóstolo São Paulo ao Corintos, segundo Paulo
devemos servir com humildade, respeitando a pluralidade dos carismas se o mesmo
Senhor é quem concede os seus dons gratuitamente.
Cristo
está sempre presente em sua igreja e fala por meio de sua Palavra, sua Palavra
é Luz e Paz. Ele está presente em sua Palavra, pois é ele quem fala
quando as Escrituras são lidas na Igreja. Finalmente, está presente quando a
Igreja reza e canta. Cristo sempre associa a si a Igreja, sua amada esposa, que
ora como seu Senhor e através dele faz adoração ao Pai Eterno.
Justamente,
e, portanto, a Liturgia da Igreja é considerada como o exercício do sacerdócio
de Jesus Cristo; nele, por meio de sinais sensíveis, e de uma forma adequada,
fez a santificação do homem. Portanto, toda celebração litúrgica, como obra de
Cristo sacerdote e seu Corpo, que é a Igreja, é uma ação sagrada por
excelência, e nenhuma outra ação da Igreja, com o mesmo título e no mesmo grau,
equivale a sua eficácia.
De
acordo com a tradição apostólica, que se origina desde o dia da ressurreição de
Cristo, a Igreja celebra o mistério pascal a cada oito dias, no que é
legitimamente chamado de o “dia do Senhor” ou “domingo sagrado”, neste dia os
fiéis devem se reunir para ouvir a Palavra de Deus e participar na Eucaristia.
O
Domingo é, portanto, a festa primordial que deve ser proposta e convite à
piedade dos fiéis, para que seja também um dia de alegria e descanso do
trabalho. O Domingo é o fundamento e constitue assim o núcleo de todo o ano litúrgico.
Vamos
viver intensamente cada Celebração que nos é proposta ao longo deste tempo
ordinário, sempre em atitude de escuta, gratidão e louvor ao Deus da Vida que
por nós sempre faz maravilhas.
Que
a Virgem Maria Senhora da Conceição Aparecida Mãe da Igreja todos ilumine e
proteja! Deus vos abençoe e vos guarde!
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